quinta-feira, 22 de outubro de 2009

OLHARES POLISSÊMICOS PARA A VIDA SEVERINA

A proposta centra-se, principalmente, na atividade de leitura de “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, no entanto essa situação de aprendizagem se alarga com o estabelecimento do caráter intertextual por meio da leitura de resenha sobre a obra em questão; “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto; “O último pau-de-arara”, de Corumbá; “ABC do Nordeste”, de Patativa do Assaré e para finalizar a reprodução do quatro “Retirantes”, de Cândido Portinari com intuito de apontar, não apenas temática recorrente, mas também o trabalho com a linguagem.

PRIMEIRO TEXTO:

[...]Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas. (Graciliano Ramos)

“Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.”

“O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono.”

“O dia todo espiava o movimento das pessoas, tentando adivinhar coisas incompreensíveis.”

“Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás.”

“Estirou os olhos pela campina, achou-se isolado. Sozinho num mundo coberto de penas, de aves que iam comê-lo.”

“...chorou, mas estava invisível, e ninguém percebeu o choro.”(Ramos, Graciliano, Vidas secas)

SEGUNDO TEXTO:

quinta-feira, 16 de julho de 2009

“FRAGMENTOS” DE VIDAS SECAS
Texto publicado no blog: www.sescliteratura.blogspot.com no dia 26/11/08 às 08h50
Hoje, acordamos – a exemplo de outros dias – sem notar diferenças no ambiente. Condicionados pela rotina, não (nos) permitimos “ver” melhor, ao invés de apenas “enxergar” a vida que levamos. Conformamo-nos, dia-a-dia, com o que vem e vai (e nem sempre volta...), tornando-nos “mais um” na multidão. E lá permanecemos. Mas... até quando?
Essa é a história de muita gente por aí. Não me isento. Nem (muito menos) você. A diferença está, justamente, no que fazemos para mudá-la. E foi nesse ponto que Graciliano Ramos (1892-1953), abriu não apenas os olhos do mundo para o Brasil – enquanto país detentor de gênios artísticos – mas mostrou a todos que ele e sua obra estão além de qualquer época, pois retratam os contrastes do espírito humano e o que ele (contrariando a tal rotina) é capaz de fazer a seu povo.
Graciliano literalmente “quebrou” a rotina do romance brasileiro, ao desmaterializar o texto seqüencial de um de seus livros em 13 capítulos-fragmentos. A obra é fragmentada como o chão do sertão, que pode ser alagoano, pernambucano, paraibano, enfim, nordestino. E recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner (EUA) como livro representativo da Literatura Brasileira Contemporânea.
Falo de “Vidas Secas” (1938), da forma inovadora como foi escrito; pela atemporalidade do tema, presente em nosso país antes dele ser concebido, persistindo até os dias atuais. O romance pertence à segunda fase do modernismo brasileiro (1930-1945) e, além de ser um dos marcos deste período, é considerado pela crítica como uma das obras-primas do escritor alagoano, “mestre Graça”, para os amigos mais íntimos.
Aliás, eram poucos os amigos na vida do escritor, segundo um de seus familiares, em entrevista a uma TV local (outubro/2004), numa reportagem especial em homenagem aos 112 anos de seu nascimento. Era do tipo reservado. E reservava mais ainda seu tempo para escrever. Poder-se-ia achar até que era um solitário. Mas não tão solitário como a família de retirantes retratada do romance “Vidas Secas”. Assim explica Leonardo Almeida Filho[1]No processo criativo de “Vidas Secas”, não havia intenção de linearidade. Eram contos, com começo, meio e fim, apenas isso. Depois, foram reunidos em um único volume, que já tem 106 edições só no Brasil.
“(...) O cuidado em focalizar cada um dos personagens isoladamente indica a solidão e o primitivismo vivido pelo grupo, como resultado dos toscos e ineficientes meios de sociabilidade a que tiveram acesso. Assim, apesar de partilharem misérias, afeições e espaços comuns, os personagens vivem entregues ao seu próprio abandono, já que não conseguem articular mais do que rudes palavras, exclamações, insultos ou interjeições. (...)” (ALMEIDA FILHO, 2002)Assim conhecemos “Vidas Secas”, hoje: uma das obras da literatura brasileira contemporânea mais lidas no mundo; agora: transformada no tema da maior jornada literária de Alagoas. É o SESC, numa ação pioneira, reafirmando o seu “compromisso social com a cultura”.
Guilherme de Miranda Ramos
Coordenador Artístico-Cultural
SESC Alagoas
[1] ALMEIDA FILHO, Leonardo (2002). Opressores e oprimidos: uma leitura de vidas secas.Disponível em:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=1313&cat=Ensaios&vinda=S.
Acessado em 27/10/2008.
Postado por Jornada Literária às 16:38


Último Pau de Arara
Composição: Venâncio / Corumba / J.Guimarâes

A vida aqui só é ruim

Quando não chove no chão

Mas se chover dá de tudo

Fartura tem de montão

Tomara que chova logo

Tomara meu Deus tomara

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara (bis)

Enquanto a minha vaquinha

Tiver o couro e o osso

E puder com o chocalho

Pendurado no pescoço

Eu vou ficando por aqui

Que deus do céu me ajude

Quem sai da terra natal

Em outros cantos não para

Só deixo o meu Cariri

No último pau-de-arara (bis)

TERCEIRO TEXTO:


O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,

como não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras

suando-se muito em cima,

a de tentar despertar

terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.

(Neto, João Cabral de Melo. Morte e vida severina)

QUARTO TEXTO:

ABC do Nordeste Flagelado

A — Ai, como é duro viver

nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar, um dia,
quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até que o camaleão
que é verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão perde
a sua cor bonita fica
de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá, quando flagelo
não há cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta e dali desaparece, o sabiá só parece que com a seca se encanta. Se outro pássaro canta, o coitado não responde; ele vai não sei pra onde, pois quando o inverno não vem com o desgosto que tem o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau de lá de dentro das grotas, manda suas feias notas o tristonho bacurau. Canta o João corta-pau o seu poema funério, é muito triste o mistério de uma seca no sertão; a gente tem impressão que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor, a gente sente fugir, tudo parece carpir tristeza, saudade e dor. Nas horas de mais calor, se escuta pra todo lado o toque desafinado da gaita da seriema acompanhando o cinema no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça dos animais do Nordeste; com a seca vem a peste e a vida fica sem graça. Quanto mais dia se passa mais a dor se multiplica; a mata que já foi rica, de tristeza geme e chora. Preciso dizer agora o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado o coitado camponês porque tanto esforço fez, mas não lucrou seu roçado. Num banco velho, sentado, olhando o filho inocente e a mulher bem paciente, cozinha lá no fogão o derradeiro feijão que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira, diz ele, vamos embora, e depressa, sem demora vende a sua cartucheira. Vende a faca, a roçadeira, machado, foice e facão; vende a pobre habitação, galinha, cabra e suíno e viajam sem destino em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte sai aquela pobre gente, agüentando paciente o rigor da triste sorte. Levando a saudade forte de seu povo e seu lugar, sem um nem outro falar, vão pensando em sua vida, deixando a terra querida, para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião de deixar mãe, deixar pai, porém para o Sul não vai, procura outra direção. Vai bater no Maranhão onde nunca falta inverno; outro com grande consterno deixa o casebre e a mobília e leva a sua família pra construção do governo.

P - Porém lá na construção, o seu viver é grosseiro trabalhando o dia inteiro de picareta na mão. Pra sua manutenção chegando dia marcado em vez do seu ordenado dentro da repartição, recebe triste ração, farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento, quando há seca no sertão, procura uma construção e entra no fornecimento. Pois, dentro dele o alimento que o pobre tem a comer, a barriga pode encher, porém falta a substância, e com esta circunstância, começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente fica a pobre criatura e a boca da sepultura vai engolindo o inocente. Meu Jesus! Meu Pai Clemente, que da humanidade é dono, desça de seu alto trono, da sua corte celeste e venha ver seu Nordeste como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro sofre o velho, sofre o moço, não tem janta, nem almoço, não tem roupa nem dinheiro. Também sofre o fazendeiro que de rico perde o nome, o desgosto lhe consome, vendo o urubu esfomeado, puxando a pele do gado que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste este fardo tão pesado, no Nordeste flagelado em tudo a tristeza existe. Mas a tristeza mais triste que faz tudo entristecer, é a mãe chorosa, a gemer, lágrimas dos olhos correndo, vendo seu filho dizendo: mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar quem for reparar de perto aquele mundo deserto, dá vontade de chorar. Ali só fica a teimar o juazeiro copado, o resto é tudo pelado da chapada ao tabuleiro onde o famoso vaqueiro cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato, a abelha zumbindo voa, sem direção, sempre à toa, por causa do desacato. À procura de um regato, de um jardim ou de um pomar sem um momento parar, vagando constantemente, sem encontrar, a inocente, uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora na grande árvore copada, vendo a floresta arrasada, bate as asas, vai embora. Somente o saguim demora, pulando a fazer careta; na mata tingida e preta, tudo é aflição e pranto; só por milagre de um santo, se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão dardeja o sol inclemente, cada dia mais ardente tostando a face do chão. E, mostrando compaixão lá do infinito estrelado, pura, limpa, sem pecado de noite a lua derrama um banho de luz no drama do Nordeste flagelado. Posso dizer que cantei aquilo que observei; tenho certeza que dei aprovada relação. Tudo é tristeza e amargura, indigência e desventura. — Veja, leitor, quanto é dura a seca no meu sertão.


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